Tony Tornado relembra prisão após show de Elis Regina: 'Fui preso com muita satisfação'
Aos 92 anos, Tony Tornado relembra luta para conquistar carreira de sucesso
Com 92 anos de idade e uma longa trajetória artística, Tony Tornado tem muita história para contar Com uma infância difícil, ele bate um papo com Thiago Oliveira e relembra como tudo começou, desde o pontapé inicial no seu maior sonho: "Cantar. Foi a grande partida de tudo."
Durante o mês que marca o Dia da Consciência Negra, o artista fala da sua trajetória de luta, que inspirou e continua inspirando muita gente.
Tony Tornado se emociona ao lembrar da juventude no Rio de Janeiro — Foto: Globo
Nascido em Mirante do Paranapanema, no estado de São Paulo, Tony veio ao Rio de Janeiro bem jovem. "O meu sonho era em uma grande metrópole, num grande movimento, num grande centro e onde minha voz pudesse ser ouvida por mais gente." E isso aos 11 anos! Quando chegou na cidade carioca, Tony conta como tudo começou:
"Morei na favela, no morro de São Diogo, atrás da Central do Brasil, já com 12 anos. Aí, vendia bala puxa, amendoim, figurinha no trem e corria da polícia, claro. E, me apresentei para as pessoas que corriam atrás de mim, e eu disse: 'Eu vim, porque preciso que vocês me arrumem uma escola. Porque, nessa vida, não vai acontecer nada, não vou conseguir nada mais de útil a não ser vender amendoim e bala puxa. E me arranjaram uma escola, a Escola Agrícola Saboia Lima, lembro o nome de lá até hoje."
Thiago Oliveira também chora com história de luta de Tony Tornado — Foto: Globo
Tony Tornado conta que vida mudou após apresentação no Festival Internacional da Canção — Foto: Globo
"Quando entrei no Festival, eu era o único desconhecido. Tinha grandes craques: Tom, Vinicius... (risos). E fui a grande zebra do Festival, e foi pela minha coragem. Cantei "BR-3". Na época ela ganhou uma outra conotação, queriam fazer de tudo para me calar, porque eu era tido como porta-voz dos negros. Eu tinha necessidade de vencer aquele Festival, era minha única cartada. (...) Eu dormia em pé, até que veio a chance do Festival e pensei: 'Ou tudo, ou nada'. Na hora que entrei, Tony Tornado e Trio Ternura, ninguém conhecia."
"Pensei: 'Mesmo que a gente não ganhe, mas eles vão ter que nos conhecer'. Era época que todo mundo usava jaqueta, todo bonitinho, e eu com peito nu, bota, cabelo... Mas eu estava trazendo uma coisa nova, sabia disso. Minha vida mudou. Meu empresário da época me mandou para o Hotel Glória, legal, tinha café da manhã, descansei. Dali para frente mudou tudo, graças a Deus."
Tony Tornado relata prisão após show de Elis Regina — Foto: Globo
"Em 1971, a Elis Regina era presidente do júri do Festival Internacional da Canção. E, ela faria o show. Ela cantou, e de repente cantou 'Black is Beautiful'. Para mim foi o máximo, para mim era a minha entrada. Não tinha intenção de ficar famoso. Agi com o coração. Quando ela cantou: 'Eu quero um homem de cor...". Pensei: 'Sou eu!'. Subi ao palco, fiquei do lado da Elis Regina, ergui o braço e o punho. E claro, já desci com ele algemado. Apesar da truculência, eu tinha conseguido o meu intento, que era o esclarecimento geral, que o negro é lindo, né? Tenho muito orgulho de ser negro. Fui preso, mas com muito prazer, muita satisfação."
"Não vou dizer que criei nada, eu só 'abrasileirei' aquilo que vi lá fora. Como nos tínhamos os bailes, nos qual fiz parte desse movimento chamado Black Rio, que me trouxe problemas posteriores, mas valeu a pena. Nossos bailes não tinham nenhuma conotação racista, era de aceitação de raça. E quando parava a música, eu dava a palavra para eles do que eu tinha conhecimento: que aquele cabelo não era moda, era uma identificação negra, que naquele cabelo era onde estava a força, que o cabelo era bom e que, por isso, ele enrolava, coisas assim."