Lei Áurea para quem? 132 anos do fim da escravidão
Em resumo, até 2019, o governo possuía um programa chamado "Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo", do Ministério dos Direitos Humanos, com ações que visavam, por exemplo, reduzir mortes evitáveis e violentas entre mulheres e jovens negros.
Para tentar comparar os últimos governos, Universa pegou o orçamento deste programa em anos anteriores. Em 2015, quando Dilma Rousseff (PT) ainda estava no poder, foram R$ 29,4 milhões empenhados — que é a obrigação de pagamento para atender a um fim específico — e somente R$ 7,6 milhões pagos, quando a ação é concluída. Os dados estão disponíveis no Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo).
Já no último ano de Michel Temer (MDB), em 2018, o governo empenhou um pouco mais para este programa: R$ 31,7 milhões, e pagou R$ 20,5 milhões. Importante ressaltar que o valor empenhado num ano pode ser pago em outro período. São os chamados restos a pagar.
Em 2019, ano em que Jair Bolsonaro assumiu, houve queda de 60% do valor empenhado para o programa, em comparação com o período anterior: foram R$ 12,5 milhões. O valor pago chegou a R$ 5,9 milhões.
Naquele ano, o programa já havia perdido uma ação: o Disque Igualdade Racial, incorporado por todos os sistemas, portais e canais de atendimento de Direitos Humanos disponíveis ao cidadão, como Disque 100 (Disque Direitos Humanos).
Em 2020, saiu de cena o programa "Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo" que, acoplado a outras ações, recebeu o nome "Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos". Segundo o Ministério da Economia, a mudança serviu para "maior simplificação, com uma estrutura concisa e consistente com as diretrizes e prioridades do governo".
Conforme Luciane pontuou, a questão racial, historicamente, é "diluída" no âmbito governamental. Não é mais possível saber, por exemplo, quanto o governo gasta — ou pretende gastar — para projetos voltados à população negra.
Outro exemplo dessa diluição: a ação que existia nos planos anteriores nominada "Fomento a Ações Afirmativas e Outras Iniciativas para o Enfrentamento ao Racismo e a Promoção da Igualdade Racial" agora se chama "Promoção e Defesa de Direitos para Todos". Nela, o governo planeja promoção de boas práticas de prevenção e enfrentamento às violações de direitos como capacitação de agentes públicos e privados que atuam com políticas de direitos.
Para tentar chegar a um valor associado ao ano corrente, Universa separou apenas as ações específicas voltadas aos direitos humanos — excluindo aquelas relacionadas a mulheres e combate ao coronavírus. Sob esse contexto, segundo dados disponíveis no Siop, o programa teve R$ 34,9 milhões empenhados até agora.
Mas, deste montante, foram reservados R$ 20,5 milhões apenas à Central de Atendimento de Direitos Humanos e à Mulher - Disque 100/Ligue 180, enquanto o Funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais teve R$ 219,8 mil empenhados.
Enquanto isso, coletivos periféricos e movimentos negros continuam como vozes que pedem atenção às questões raciais e ao fato de como o ranço escravocrata — perpetuado nas estruturas de poder, diz Larissa — ainda reverbera na sociedade brasileira.
"Mas é tudo difícil de negociar. Temos um representante que está em Brasília que diz que a escravidão foi boa para os negros [o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, já deu essa declaração]. Então, fica difícil de colocar essas reivindicações na agenda. Mas colocar o recorte racial nas mortes do Covid, por exemplo, foi uma pauta deles", diz a socióloga.
Pedimos ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos a previsão de orçamento com ações específicas para a população negra em 2020. Também questionamos sobre a necessidade da pasta para a revisão do programa. Por último, pedimos para conversar com um representante do governo sobre o tema. Mas, por e-mail, a assessoria de imprensa respondeu apenas que "alguns programas tiveram seus nomes alterados".