Anos antes de votar pela descriminalização, Alexandre de Moraes ...
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes votou, nesta quarta-feira, pela descriminalização do porte de maconha. O ministro indicou a necessidade de se estabelecer um critério para diferenciar o uso pessoal do tráfico. Após o voto do magistrado, internautas recuperaram um vídeo de 2016 que mostra Moraes, então ministro da Justiça do governo de Michel Temer, cortando pés da droga com um facão no Paraguai.
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Há sete anos, pouco meses antes de ser sabatinado para a vaga no STF, o então ministro viajou para o país vizinho para atuar numa operação conjunta contra o crime transnacional. Na época, Moraes chegou a dizer que uma das prioridades da gestão na pasta era combater criminosos e "erradicar a maconha" na América do Sul.
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— A parceria importantíssima entre Brasil e Paraguai. Parceria que é para a erradicação da maconha, do crime transnacional e, principalmente, esse é o efeito mais importante contra criminalidade organizada. Desde o momento em que assumi, um dos meus compromissos e uma das minhas prioridades e do governo federal, por determinação do presidente Michel Temer, é o combate à criminalidade transnacional — disse ele, no vídeo, que viralizou nas redes sociais.
Ao fim do voto de Moraes no STF, internautas apontaram o que seria uma mudança na abordagem do atual ministro sobre o tema. Alguns chegaram a "rebobinar" o vídeo de Moraes no Paraguai, em tom de humor. Mas a postura não é novidade. Em fevereiro de 2017, como lembrou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, quando foi indicado para o Supremo por Temer e sabatinado no Senado, Moraes já afirmara que era preciso diferenciar o usuário do traficante, "aquele que faz da sua vida essa violência em relação às drogas".
"Sua última visão antes do coma foi esse vídeo do Alexandre de Moraes derrubando pé de maconha no facão, você abre os olhos e vê a sessão de hoje do STF", escreveu uma internauta. Outros usuários ponderaram que o voto do ministro foi pela descriminalização, com balizas para diferenciar o uso pessoal do tráfico, e não pela legalização da droga.
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Para fundamentar seu voto durante julgamento no STF que pode descriminalizar o porte pessoal de maconha, o ministro Alexandre de Moraes se baseou,conforme adiantou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, em um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que analisou mais de 1,2 milhões de ocorrências policiais de apreensões de pessoas com a droga. A pesquisa concluiu que pretos e pardos estão mais suscetíveis a acusações de tráfico do que os brancos.
— O branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto e pardo para ser considerado traficante. Para um analfabeto, por volta de 18 anos, preto ou pardo, a chance de ele, com uma quantidade ínfima, ser considerado traficante é muito grande. Já o branco, mais de 30 anos, com curso superior, precisa ter muita droga no momento para ser considerado traficante — afirmou Moraes, com base nas conclusões da pesquisa.
'Branco precisa de 80% a mais de maconha que preto para ser considerado traficante'
Por isso, ele defendeu a necessidade de se diminuir a "discricionariedade" seja na abordagem policial como nos julgamentos. O estudo diz que a mediana de maconha apreendida no caso de analfabetos acusados como traficantes é de 32 gramas. Já para o caso de pessoas com curso superior é de 49 gramas, uma diferença de 52%.
— As medianas quantitativas são muito diferentes nos critérios de grau de instrução, idade, cor da pele. Não há razoabilidade para isso — disse Alexandre de Moraes.
O ministro ainda defendeu que o próprio STF tem competência para definir limites de quantidade para se diferenciar o usuário do traficante, o que hoje não existe na Lei Antidrogas. Segundo Moraes, isso fez com que muitos usuários fossem processados como traficantes. E a consequência, na prática, foi triplicar o número de presos por tráfico de drogas em um período de seis anos após a legislação.
— Não triplicamos com brancos , com mais de 30 anos, com ensino superior. Triplicamos com pretos e pardos, sem instrução e jovens — concluiu Moraes.— Há necessidade de equalizar uma quantidade média padrão como presunção relativa para caracterizar e diferenciar o traficante do portador para uso próprio. Porque essa necessidade vai ao encontro do tratamento igualitário dos diferentes grupos sociais, culturais, raciais. O branco ou o negro, o analfabeto ou o que tem pós doutorado, o velho ou o jovem, vão ter tratamentos iguais.
O caso começou a ser julgado há sete anos. A discussão avalia a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que considera crime "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Em 2015, três ministros do Supremo — Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin — votaram por invalidar o artigo, o que na prática descriminaliza o porte de drogas para uso pessoal. Eles, contudo, divergiram na forma como a lei deve ser aplicada.
O relator, Gilmar Mendes, votou para descriminalizar o porte de todas as drogas. Fachin e Barroso também votaram pela descriminalização do porte, mas apenas da maconha, por ter sido essa a droga apreendida no caso em análise.
Os dois, no entanto, divergiram sobre uma questão central: a quantidade que diferencia um usuário de um traficante. Fachin propôs que essa quantidade deve ser definida pelo Legislativo. Já Barroso sugeriu um número: 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis pés. Esse valor, contudo, não seria um parâmetro rígido, e poderia ser reavaliado por cada juiz, que precisaria fundamentar sua decisão.
O processo tem "repercussão geral reconhecida", ou seja, o que for decidido pelos ministros da Corte terá que ser seguido por tribunais de todo o país.
Iniciado em agosto de 2015, o julgamento foi suspenso após o então ministro Teori Zavascki solicitar mais tempo para analisar a ação, que posteriormente foi encaminhada a Moraes.
O processo divide opiniões entre ministros do Supremo, mas, hoje, a expectativa é que haja uma maioria de votos para a adoção da tese proposta por Gilmar Mendes. O principal ponto de divergência deve ficar por conta das formas de aplicação do entendimento adotado e de possíveis critérios fixados para a diferenciação entre usuários e traficantes — a aposta nos bastidores é que seja preciso chegar a um voto médio a respeito deste ponto.