Truss renuncia e aumenta pressão sobre Reino Unido
A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, renunciou ao cargo após ocupá-lo por aproximadamente seis semanas. A expectativa é de que ela seja substituída por outro membro do Partido Conservador, mas o Partido Trabalhista, da oposição, faz pressão para que sejam convocadas eleições gerais.
Truss chegou ao poder após a derrocada do ex-primeiro-ministro Boris Johnson. Ele havia renunciado ao cargo de primeiro-ministro em julho após um mandato marcado por polêmicas.
Uma delas foi a participação do político em festas durante a pandemia de Covid-19, contrariando medidas de isolamento social adotadas pelo próprio governo.
O evento que culminou na queda de Johnson, porém, foi o fato de ele ter nomeado um aliado acusado de assédio sexual para ocupar posição de destaque no parlamento, mesmo sabendo das acusações.
Johnson perdeu apoio do Partido Conservador quase imediatamente após o caso vir à tona, e essa desunião no grupo ficou mais evidente nas semanas seguintes, visto que foram necessários quase dois meses para o partido escolher quem ficaria no lugar do primeiro-ministro.
O início do mandato de Truss, em 5 de setembro, portanto, já começara turbulento, mas aquilo era apenas uma amostra do que estava por vir.
Azedou rápidoEm 8 de setembro – só três dias depois de Truss assumir – a rainha Elisabete II morreu, evento que ofuscou o início do novo governo e deixou o andamento da máquina pública mais lento.
Só 20 dias depois da posse é que a primeira-ministra conseguiu apresentar um plano para combater a crise econômica no Reino Unido. O mercado achou a proposta desastrosa.
Em resumo, a ideia era adotar auxílios financeiros à população – ou seja, aumentar os gastos públicos – e, ao mesmo tempo, cortar impostos.
Especialistas apontaram que esta combinação faria a dívida do governo disparar, e isso gerou uma espiral de pessimismo em relação à economia.
As taxas de juros decolaram- movimento que foi exacerbado pelo banco central -, e a libra despencou, chegando perto de perder a superioridade em relação ao dólar.
Em pouco mais de uma semana, Truss voltou atrás e desistiu de cortar impostos, mas a crise de credibilidade já estava instaurada – principalmente porque a ideia de cortar impostos veio dela.
Na última sexta-feira (14), ela tentou mais uma vez acalmar o mercado trocando o ministro de Finanças e prometendo um novo plano, mas era tarde demais.
Um comentário do banco holandês Rabobank divulgado naquele dia resume bem como o mercado avaliou a decisão. “Seja o que for que [o novo plano] contenha, fará pouco para afastar a possibilidade de o Reino Unido já estar em recessão, e pode dar margem para a acusação de que o Reino Unido tem um governo sem uma agenda de verdade.”
Por que a crise no Reino Unido preocupa os mercadosApesar de a Inglaterra ser uma pequena ilha no continente europeu, o Reino Unido é uma das principais economias do mundo – é a quinta maior no ranking do Banco Mundial, que usa como referência dados de 2021.
Além disso, a libra é a quarta moeda mais relevante nas reservas internacionais dos bancos centrais, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). Isso significa que, quando a libra cai, vários países perdem dinheiro.
Uma crise de desconfiança em relação à economia do Reino Unido pode ter também efeitos secundários sobre a estabilidade financeira mundial.
A dobradinha de medidas do banco central contra a inflação e de preocupação com as contas públicas fez os juros subirem mais rápido do que o mercado aguentava. Tanto que o Banco da Inglaterra foi forçado a voltar atrás em seus planos para evitar o nascimento de uma nova crise.
Se investidores tiverem que vender ativos para cobrir perdas no mercado financeiro do Reino Unido, isso pode resultar em queda das bolsas e aumento dos juros em outros mercados, propagando o problema por mais regiões.
O que vem depois de Truss?A renúncia da primeira-ministra abre espaço para que o Partido Conservador escolha o sucessor dela no cargo. A expectativa é de que seja nomeado Rishi Sunak, adversário de Truss na última eleição interna.
O problema é que a definição do novo primeiro-ministro pode levar meses, como aconteceu no caso de Truss. Quando Johnson renunciou, a expectativa era de que o Partido Conservador conseguisse escolher um sucessor em uma ou duas semanas. Demorou quase dois meses.
Além disso, a oposição está fazendo pressão para que sejam convocadas novas eleições. O líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, disse que o Partido Conservador “não tem mais mandato para governar” e que o Reino Unido precisa de um “novo começo”.
No Reino Unido, quem pede a dissolução do parlamento para eleições gerais é o governo empossado – ou seja, o do Partido Conservador, que ainda tem um ano de mandato.
No entanto, quem declara a dissolução do parlamento para que sejam realizadas as eleições é o rei.
Como fica a libra após Truss renunciarA moeda do Reino Unido vem se enfraquecendo há meses, e, depois de bater a mínima recorde ante o dólar no final de setembro, estabilizou perto de US$ 1,15.
Segundo o banco holandês ING, a disputa política e as dúvidas sobre como o governo vai resolver os problemas da economia – entre eles o da inflação, que passa de 10% ao ano – devem evitar a valorização da libra para muito além deste nível.
“O ponto de interrogação é o que acontece com o cargo de primeiro-ministro e se o ressurgimento do ex-ministro de Finanças Rishi Sunak representaria uma correção de rumo no navio ou só dividiria ainda mais o Partido Conservador. Dá para entender por que os investidores estrangeiros querem ficar longe até que o ambiente político fique bem mais claro”, acrescentou.
Por enquanto, o mercado parece comemorar a saída de Truss. A libra chegou a ficar perto de US$ 1,1150 mais cedo, mas depois da renúncia alcançou US$ 1,1330. Movimento semelhante foi visto no índice FTSE-100, o principal da Bolsa de Londres, que operava em leve queda antes do anúncio de Truss, mas subia 0,3% perto do encerramento do pregão.