Primeira temporada sem horário de verão altera rotina dos negócios
SÃO PAULO E RIO - Este domingo era para ser um daqueles de confusão para muita gente que sempre se perdia com os relógios voltando ao normal com o fim do horário de verão. No entanto, com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de acabar com o sistema que funcionava desde 1985, não houve relógios adiantados em uma hora no Brasil dessa vez.
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O fim do horário especial, que fazia as manhãs mais escuras e as tardes mais longas de outubro a fevereiro nos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, dividiu opiniões entre os seus fãs e detratores de sempre, mas também levantou temores entre empresários que dirigem negócios ligados à estação. Consumidores mudaram de hábito, mas houve perdas e ganhos.
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No primeiro verão sem ponteiros adiantados, quem trabalha nas praias do Rio sentiu queda no faturamento com menos uma hora de sol no fim do dia. Mas não foi a única razão para um verão atípico para quiosques, barracas na areia e ambulantes. Este tem sido um verão de movimento mais baixo também por causa de mais dias chuvosos, diz Luis Carlos dos Santos, atendente da Barraca do Júlio, em Ipanema.
— Muita gente que vinha à praia após o trabalho para dar uma volta, um mergulho ou ver o pôr do sol não veio — diz Santos. — Com dia ensolarado, a venda de cerveja é maior. Já com o tempo fechado, os clientes preferem caipirinhas e faturamos dois terços menos.
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As vendas dos hambúrgueres veganos Pura Raiz, distribuídos por vendedores nas areias, também caíram. No verão passado, com horário adiantado, os ambulantes vendiam, em média, 150 sanduíches por dia. Este ano, com a praia terminando mais cedo, são 100 por dia, uma queda de 33%, segundo a empresa.
A alternativa do quiosque Rayz, em Copacabana, foi estender o horário do happy hour, que ia até as 20h, para as 22h. Quando o sol se vai, o espaço gera 40% menos receita, diz o sócio Daniel Monteiro:
— Por outro lado, percebemos uma presença expressiva do turista internacional este ano, o que estabilizou o faturamento da temporada.
No Rio, houve antecipação de retorno da praia nos fins de semana, alterando o horário de pico. Segundo o Metrô Rio, o período de maior movimento neste verão foi entre 19h e 20h. Na temporada passada, era entre 20 e 21h.
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Embora alguns usuários de aplicativos de transporte relatem mudança no horário de uso — em geral evitam andar à pé no período mais escuro do dia, por questão de segurança — , não houve mudança no faturamento para as empresas.
— O que vimos é que a luminosidade pode afetar o momento do uso da bicicleta, mas o que impacta mais é a chuva e o hábito — diz Tomás Martins, presidente da Tembici, que gere o sistema de bicicletas compartilhadas Bike Itaú. — Vemos que 75% de nossos clientes usam as nossas bicicletas para locomoção, uma pequena parte é para lazer. Por isso a mais movimentada estação da América Latina é a da Central do Brasil, no Rio, seguido do Largo da Batata, em São Paulo. São estações próximas a centros de transporte público. Este cliente não muda seus hábitos por estar claro ou escuro.
Na rede de sorveterias Mil Frutas, também no Rio, a sócia Juliana Saboia notou que o movimento da noite aumentou neste verão. Para atender à nova dinâmica do público, ela pretende alterar a escala de funcionários no próximo verão. As vendas ficaram estáveis, mas os pedidos mudaram, ela diz:
— Notamos que os clientes consumiram mais sabores cremosos, como creme, chocolate e queijo com goiabada, em vez daqueles frutados como limão e maracujá, que são mais refrescantes.
Menos bar, mais ‘fitness’Para academias e treinadores, o fim do horário de verão caiu bem. Sem relógios adiantados, o sol está a pino aparentemente mais cedo. Com isso, mais gente sai da cama na hora. As faltas aos treinos neste verão caíram, diz Marco Tadeu, presidente da Sociedade Brasileira de Personal Trainers:
— Não temos uma base estatística, mas, pelo que ouço dos colegas, podemos dizer que deixaram de ser canceladas cerca de 30% das aulas que antes eram desmarcadas em cima da hora porque o aluno acordava durante o horário de verão e ainda estava escuro.
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Para o treinador Wagner Favale, da Pink Fit Training, em São Paulo, o novo horário é mais saudável para alunos e professores. Ele conta que as academias também ganharam no início da noite. Quando o sol durava mais, as pessoas aproveitavam o happy hour no barzinho ou se distraíam com a luz natural e trabalhavam até mais tarde, perdendo ou cancelando aulas no fim do dia.
Dudu Netto, diretor técnico da rede Bodytech, diz que a queda nas faltas foi importante para reter alunos e manter a receita nas academias, cujas mensalidades custam, em média, R$ 350 mensais.
No Rio, o Hotel Fairmont, em Copacabana, notou aumento na procura dos hóspedes pelos serviços de academia e spa com menos tempo de sol no fim do dia e mais chuva. Mas os espaços do restaurante e do bar no ambiente da piscina principal, com vista para a praia, ficaram movimentados.
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Na capital paulista, o temor dos donos de bares e restaurantes se confirmou. Segundo Percival Maricato, presidente da Abrasel-SP, associação do setor, houve queda de 5% no faturamento neste verão em comparação com o passado. Mas ele diz que é difícil culpar só o fim do horário de verão com tanta chuva neste ano.
— O verão não teve cara de verão. Além da falta do horário diferenciado, que era um grande incentivo aos bares, choveu, fez frio.
Para o restaurante Joaquina, com duas unidades na Zona Sul do Rio, a temporada foi boa. O sócio Marcos Gelio diz que, se houve algum impacto do horário de verão, foi compensado com mais turistas:
— Notamos melhora no fluxo. O Rio recebeu mais turistas neste verão. O restaurante do Leme, na Avenida Atlântica, teve incremento de público de 30%. Em Botafogo, foi de 15%.
Clubes sofrem maisA modalidade de entrega foi uma solução encontrada pelos donos do bar Os Imortais, em Copacabana. Com o movimento mais fraco, apostaram no delivery para aquecer as vendas. Em janeiro o consumo presencial caiu 15% em comparação ao mês anterior. O delivery, por outro lado, cresceu 20%.
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— Entramos no delivery para compensar o baixo movimento. Quem está na rua, busca refúgio, mas quem está em casa, não sai — afirma Rômulo.
Segundo o CEO do Grupo Rão, Guilherme Lemos, que detém marcas de comida japonesa, árabe, pizzaria e conveniência, em dias chuvosos o número de vendas cresce em 30%.
— Quando chove de forma moderada, o número de pedidos aumenta, mas se for torrencial, todo mundo sai perdendo.
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Os shoppings e seus cinemas registraram alta no movimento, mas, na visão de Vander Giordano, vice-presidente institucional da Multiplan, dona de centros como o BarraShopping, no Rio, a falta do horário de verão teve contribuição limitada:
— Tivemos um verão melhor, mas isso se deveu também ao saque do FGTS, à redução do desemprego, à volta da confiança do consumidor e à queda dos juros. O horário de verão vem depois disso.
Ana Maria Horvath, que trabalha no comércio, decidiu ir mais ao cinema com o dia terminando mais cedo:— Venho nas sessões logo quando escurece, e volto mais cedo para casa. Assim me canso menos — contou, na saída do Petra Belas Artes, na região da Paulista, em São Paulo.
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A estudante Beatriz Alcântara diz não pensar muito na falta da hora a mais de luz, mas admite que, sem ponteiros adiantados, deixou de fazer mais atividades ao ar livre ou frequentar bares. Costuma voltar mais cedo para casa depois do estágio.
No ramo de clubes sociais e esportivos, dias cinzas ou mais curtos impactam no balanço financeiro. Com a queda na frequência dos associados, cresce a inadimplência, relaciona o presidente da Associação Nacional de Gestão Executiva de Clubes, Henrique Martins:
— Os clubes precisam de sol e calor. Quando o associado vai menos, por conta do tempo, não prioriza a despesa da mensalidade. A diminuição de receitas na época mais promissora do ano é um reflexo preocupante.