Estado de sítio: O que significa e em que momentos a medida foi decretada no Brasil?
A expressão "estado de sítio" se tornou um termo muito procurado no Google nesta quinta-feira, depois que circularam vídeos de apoiadores de Bolsonaro comemorando no WhatsApp e nas redes sociais porque o presidente havia decretado um estado de sítio no Brasil. A informação, obviamente, é falsa. Mas o que vem a ser o estado de sítio, quando esse dispositivo legal foi usado na História do Brasil e quais são as condições para que o recurso seja acionado no nosso país hoje, de acordo com a Constituição Federal de 1988?
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Medida que permite a suspensão de garantias constitucionais por, no máximo 30 dias, o estado de sítio, também chamado de estado de exceção, autoriza o governo federal a interceptar comunicações entre indivíduos, controlar a imprensa, proibir reuniões de pessoas e até mesmo prender cidadãos sem necessidade de uma determinação judicial. Com um decreto desse tipo, o Planalto também não precisaria de autorização do Judiciário para realizar operações de busca e apreensão, intervir em empresas particupares ou requerer bens de qualquer pessoa.
De acordo com a Constituição, há condições específicas que justificariam o emprego do estado de sítio no Brasil. Uma delas é se o país estiver enfrentando uma situação de "comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa", como explica a Carta de 1988 em seu artigo 137. Outra hipótese é se houver uma "declaração de estado de guerra" ou a necessidade de "resposta a agressão armada estrangeira".
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Mesmo se a nação estiver lidando com uma das situações, o presidente da República não pode tomar sozinho a decisão de decretar o estado de sítio. Ele precisa, em primeiro lugar, ouvir a opinião do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional. Em seguida, a ação ainda teria que ser aprovada por maioria absoluta do Congresso Nacional, após a análise de suas justificativas pelos parlamentares. Ou seja, sem aval da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, não há possibilidade de estado de sítio no Brasil.
Seria um erro comparar o estado de sítio com o Ato Institucional de número 5 (AI-5). Editado pela ditadura militar em dezembro de 1968, o AI-5 foi instituido sem aval do Parlamento e deu ao governo federal o poder de fechar o Congresso e cassar mandatos eletivos. Além disso, não tinha prazo de vigência. Ainda assim, o estado de sítio é uma medida considerada drástica e foi empregada no Brasil em três ocasiões, de acordo com o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Veja abaixo:
Em outubro de 1930, diante da revolução liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições presidenciais daquele ano, o presidente Washington Luís obteve autorização do Congresso Nacional, por meio da Lei 5.808, para decretar o estado de sítio no Distrito Federal e nos estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Em seguida, mais uma vez com aval do Parlamento, o estado de exceção foi estendido para todo o território nacional. O objetivo de Washington Luís era passar o poder a Júlio Prestes, que havia vencido as eleições. Porém, mesmo com o estado de sítio, o presidente foi deposto por uma junta de altos oficiais das Forças Armadas, que, depois, empossou Vargas na Presidência.
Em novembro de 1935, foi deflagrada a Revolta Comunista nas cidades de Natal, Recife e Rio, o que desencadeou violenta repressão do governo federal. Com sólida maioria no Congresso Nacional, Getúlio Vargas obteve autorização para instalar o estado de sítio em todo o Brasil, apesar dos protestos da oposição, que alegava que o levante ocorria apenas em algumas cidades. O decreto aprovado determinava que qualquer pessoa envolvida na "insurreição extremista" poderia ser presa. Após 30 dias de vigência do estado de sítio, o governo conseguiu estender a situação por mais 90 dias, com a permissão de equiparar o estado de sítio a um estado de guerra, o que aconteceu, de fato, em março de 1936.
Em 1955, o Brasil viveu um momento de grave tensão quando o Movimento de 11 de novembro, também chamado de "contragolpe preventivo", chefiado pelo general Henrique Teixeira Lott, afastou o presidente em exercício, Carlos Luz, colocando no lugar o presidente do Senado, Nereu Ramos, próximo na linha sucessória. Ministro da Guerra demissionário, Lott tomou essa decisão porque acreditava que Luz estava envolvido numa conspiração para impedir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, recém-eleitos presidente e vice-presidente da República. Os militares também impediram o retorno de João Café Filho, que havia se licenciado por motivos de saúde, por considerar que ele também estava envolvido na conspiração. No dia 24 de novembro, o Congresso aprovou o pedido de Nereu Ramos para decretar estado de sítio, que foi prorrogado duas vezes, até ser suspenso em fevereiro, já com Kubitschek na presidência do país.