Em feriado, Google mostra dólar a R$ 6,40
Mesmo em um dia de mercados fechados ao redor do globo por causa do Natal, não houve tranquilidade no câmbio nesta quarta-feira (25). Ao menos foi o que pode ter parecido para quem pesquisou a cotação do dólar contra o real no Google e se deparou com um novo valor nominal recorde da moeda americana, próximo de R$ 6,40. O valor diverge de forma significativa dos números observados no mercado de câmbio à vista na segunda-feira (23) e sugeriria forte alta do dólar durante o Natal — algo que não ocorreu, já que era feriado.
Na segunda-feira, 23 de dezembro, o dólar fechou o dia negociado a R$ 6,1855, em alta de 1,87%, já com o mercado reagindo à saída de divisas neste fim de ano e ainda pessimista diante de uma piora na percepção de risco fiscal. A máxima histórica intradiária nominal do dólar foi de R$ 6,3000, nível alcançado no último dia 19 e ainda distante dos valores mostrados pelo Google nesta quarta-feira.
Não é a primeira vez que as cotações do câmbio vistas no buscador divergem das cotações de corretoras e do próprio Banco Central. No começo de novembro, um dia após a eleição presidencial dos Estados Unidos, a empresa chegou a informar que o dólar havia subido acima de R$ 6, em um claro contraste com a cotação “oficial” da época — depois, admitiu o erro e disse que trabalhava para corrigi-lo. A cotação do dólar chegou a ser retirada do buscador na ocasião, algo que voltou a acontecer nesta quarta-feira.
Procurado, o Google informou que os dados em tempo real exibidos na busca vêm de provedores globais terceirizados de dados financeiros. No caso desta quarta-feira, o Google exibia a cotação da Morningstar. “Trabalhamos com nossos parceiros para garantir a precisão e investigar e solucionar quaisquer preocupações”, disse a empresa.
A polêmica em torno da cotação do câmbio ocorre no momento em que o real tem sofrido uma forte desvalorização, atribuída à piora na percepção de risco, o que tem gerado deterioração substancial em diversos ativos domésticos além do câmbio. Além disso, o fluxo de saída de dólares tradicional para esta época do ano tem sido ainda mais forte. Nos dados parciais de dezembro até o dia 19, o fluxo cambial aparece negativo em US$ 14,69 bilhões. E, nesse contexto, também o BC tem atuado de forma intensa nos mercados.
Desde 12 de dezembro, a atuação da autoridade monetária no câmbio tem sido mais presente. O BC já vendeu US$ 16,8 bilhões em leilões no mercado à vista e, nesta quinta-feira (26), fará mais uma operação utilizando as reservas internacionais, com a venda de até US$ 3 bilhões às 9h15. Além disso, foram efetuados três leilões de linha, em que houve a venda de US$ 11 bilhões. No entanto, essas operações, por terem compromisso de recompra pelo BC mais à frente, não costumam influenciar a cotação da taxa de câmbio, apenas o cupom cambial.
Diante da polêmica no câmbio, a Advocacia-Geral da União (AGU) acionou nesta quarta-feira o BC, pedindo que o Google preste esclarecimentos sobre por que exibiu um valor diferente para a cotação do dólar. Segundo a AGU, os dados enviados pelo BC irão subsidiar eventual atuação da Procuradoria-Geral da União em relação à empresa. “A atuação da Advocacia-Geral da União tem como objetivo combater a desinformação de dados econômicos de grande relevância para a sociedade brasileira”, afirmou o advogado-geral da União, Jorge Messias.
Segundo o órgão, o objetivo é esclarecer eventuais inconsistências no valor apresentado na plataforma digital, pois o último fechamento registrou o dólar cotado a R$ 6,18. Além disso, destacou que o câmbio Ptax, que é a cotação oficial no Brasil, não foi definida nesta quarta-feira devido ao feriado. “De fato, causa estranheza que, em pleno feriado de 25/12, data sem Ptax, ocorra uma disparidade de informações relacionadas à cotação da referida moeda”, afirma o documento enviado ao BC.
Fontes que acompanham as discussões destacam que, em casos semelhantes, o BC costuma apresentar uma resposta “padrão”, destacando que a taxa oficial de câmbio é a Ptax, que por sua vez não foi calculada nesta quarta-feira por causa do feriado. Procurado, o BC afirmou que não comenta o tema.
Uma possível explicação para a diferença estaria na hipótese de os fornecedores do Google utilizarem como base de dados números das negociações no mercado OTC (“over-the-counter”, ou mercado fora do balcão), quando não há negociação nos mercados “oficiais”. As negociações no mercado OTC ocorrem de modo paralelo em relação ao mercado financeiro, e sobre elas não incide uma regulamentação tão rígida.
Nesse mercado, as transações são formalizadas por acordos bilaterais entre os participantes, e esse ambiente permite que a negociação de moedas ocorra 24 horas por dia, sem respeitar dias úteis ou horários de abertura e fechamento. Em feriados, porém, a liquidez fica reduzida e essa cotação pode se distanciar da média do mercado.
Embora o Google tenha retirado os números do ar durante a tarde, outras plataformas que também utilizam os números do mercado OTC continuaram a mostrar uma desvalorização contínua do real, que seria impossível de ser observada no mercado oficial. No início da noite, o dólar aparecia cotado a R$ 6,7266, em alta de 8,92% — algo que não ocorreria, já que o mercado brasileiro é bastante atrelado aos derivativos e à cotação do dólar futuro e há uma “trava”, exercida por limites de oscilação determinados pela B3, que impediria uma depreciação tão intensa do real em um único dia.