Cristina Kirchner: por que vice-presidente da Argentina foi condenada a 6 anos de prisão
- Veronica Smink
- BBC News Mundo, Argentina
Atualizado Há 5 horas
Um tribunal penal da Argentina condenou, nesta terça-feira (06/12), a vice-presidente do país, Cristina Fernández de Kirchner, a seis anos de prisão pelo crime de administração fraudulenta durante os 12 anos que ela e seu falecido marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, governaram o país — de 2003 a 2015.
No entanto, a vice-presidente foi absolvida da acusação de chefiar uma associação ilegal.
A sentença inabilita a ex-presidente a ocupar cargos públicos vitalícios.
É a primeira vez na história do país que um vice-presidente no cargo é julgado e condenado.
Entretanto, a decisão não significa que Kirchner irá imediatamente para a prisão, já que recursos devem levar o processo para a Câmara de Cassação e para a Corte Suprema, o que pode levar anos.
Kirchner também goza de privilégios que a impedem de ser presa até 10 de dezembro de 2023, quando termina seu mandato como vice-presidente. Ela poderá concorrer a um novo cargo nas eleições do ano que vem, o que pode estender sua imunidade.
Ela nega as acusações e afirma ser vítima de lawfare, uma espécie de perseguição a inimigos políticos por meio da Justiça. Nesse sentido, ela sempre se comparou ao ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que irá assumir o Planalto em 1º de janeiro de 2023. Lula passou cerca de um ano e meio na prisão por uma condenação de que posteriormente foi anulada.
A ex-presidente foi acusada e condenada por ter favorecido um sócio e mais dez funcionários kirchneristas em obras rodoviárias milionárias. Confira abaixo detalhes sobre o caso, o que diz a defesa de Cristina Kirchner e o que deve ocorrer com ela.
A ex-presidente foi condenada pela condução de obras públicas na província patagônica de Santa Cruz, que Néstor Kirchner governou por mais de uma década antes de se tornar presidente e onde a vice-presidente ainda mantém residência.
Os promotores Diego Luciani e Sergio Mola disseram que os Kirchner "instalaram e mantiveram dentro da administração nacional e provincial de Santa Cruz uma das mais extraordinárias matrizes de corrupção que, lamentavelmente e infelizmente, se desenvolveram no país".
A acusação assegurou que, dias antes de Nestor assumir a presidência, em 2003, o casal criou uma construtora, a Austral Construcciones, à qual foram posteriormente direcionadas a maior parte das obras rodoviárias realizadas em Santa Cruz.
Segundo os promotores, os Kirchner colocaram um sócio e amigo da família no comando da construtora, o qual atuou como testa de ferro: Lázaro Báez, ex-gerente do Banco de Santa Cruz que, segundo o Ministério Público, não tinha experiência no campo da construção.
Báez, que no ano passado foi condenado a 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro, também foi condenado no julgamento decidido nesta terça-feira, junto com outros onze ex-funcionários dos Kirchner. Um deles é o ex-secretário de Obras Públicas José López, que já está detido por outros casos de corrupção. Em 2016, ele foi filmado levando sacolas cheias de dólares a um convento.
Segundo Luciani e Mola, a Austral Construcciones foi escalada em licitações para construir 51 obras — 79% das obras na província de Santa Cruz durante o período em que os Kirchner governaram o país.Mas apenas duas foram concluídas a tempo e metade nunca foi concluída. Além disso, os promotores afirmaram que a empresa foi favorecida com superfaturamentos milionários."Todas as licitações foram uma farsa. Havia um cartel organizado pelo Estado nacional", acusaram, estimando que o esquema de corrupção prejudicou o Estado em mais de US$ 1 bilhão, dinheiro que eles pediram que fosse confiscado dos bens dos condenados.
Em suas alegações, os promotores disseram que as irregularidades em favor de Báez se multiplicaram em 2007 e 2011, anos de eleições nacionais — que o kirchnerismo venceu. Luciani e Mola garantiram que a organização ilícita buscava arrecadar fundos para as campanhas.
A Austral Construcciones deixou de operar em dezembro de 2015, quando Cristina Kirchner deixou o poder. Para os promotores, isso demonstra que havia um vínculo entre a construtora de Lázaro Báez e os Kirchner.
O principal argumento da defesa de Cristina Kirchner é que o Ministério Público não produziu qualquer prova — nenhum documento ou mensagem — que mostrasse direta e pessoalmente o vínculo da ex-presidente com a concessão de obras a Lázaro Báez.
"Entre a Presidência da Nação e as obras denunciadas, existem doze instâncias administrativas de natureza nacional e provincial", explicou a vice-presidente na sua conta no Twitter, onde refutou muitos dos argumentos apresentados pelos promotores.
A defesa também sustentou que a Justiça não tem competência para julgar como um governo eleito democraticamente distribui o investimento público.
Kirchner afirmou que um chefe de Estado não pode ser responsabilizado pela forma como as licitações públicas são conduzidas.
"Quem executa o orçamento é o chefe de gabinete, não o presidente ou a presidente da nação", disse a atual vice-presidente, acrescentando que o Congresso aprovou os investimentos nas obras ao sancionar a lei orçamentária, inclusive com alguns votos de aliados do ex-presidente Mauricio Macri.
"O investimento em obras públicas rodoviárias em Santa Cruz foi fortemente justificado pelo déficit demonstrado por sua rede rodoviária em 2003".Cristina Kirchner defendeu ainda que as 51 obras em questão já tinham sido investigadas pela Justiça da província, que não encontrou indícios de corrupção.
O Tribunal Oral formado por Giménez Uriburu, Jorge Gorini e Andrés Basso anunciará os argumentos de sua sentença em 9 de março de 2023, após o recesso judicial de verão.
Nessa ocasião, os advogados da vice-presidente poderão recorrer da decisão perante a Câmara de Cassação.
Se esta instância ratificar a sentença, a defesa ainda pode recorrer à Corte Suprema.
Enquanto isso, Cristina Kirchner estará livre e poderá concorrer às eleições gerais de outubro de 2023.
Se sua sentença for mantida após os recursos e ela estiver ocupando algum cargo no Executivo ou Legislativo, para ir à prisão, primeiro ela deve ser afastada por meio de um processo político.
Caso isso aconteça, Kirchner poderá, eventualmente, cumprir pena em prisão domiciliar, já que no próximo mês de fevereiro ela completará 70 anos — idade a partir da qual o benefício pode ser demandado.
Além do caso Vialidad, o primeiro a ir a julgamento, a ex-presidente também está sendo processada em outro grande caso, conhecido como o dos "cadernos da corrupção". Nele, Cristina Kirchner é acusada de receber propina de empresários em obras públicas.
O caso foi levado a julgamento em 2019, mas o processo — no qual também são acusados ex-funcionários e vários empresários, inclusive um primo de Mauricio Macri — ainda não tem data para começar.