Há 28 anos, em entrevista à Folha, combate à fome já era prioridade de Lula
Passaram-se 28 anos desde aquela histórica entrevista de Lula à Folha do dia 14 de agosto de 1994, republicada pelo jornal na Ilustríssima deste domingo, em que se completam quatro anos da morte do diretor de redação Otavio Frias Filho, que ouviu o petista durante 90 minutos, ao lado de Matinas Suzuki e Clóvis Rossi, também já falecido.
Eu acompanhei a entrevista como assessor de imprensa de Lula na época, mas já não me lembrava mais desse dia. Foi na semana em que Fernando Henrique Cardoso passou à frente de Lula, invertendo as curvas das pesquisas, no auge do Plano Real, com 36% contra 29%, o que acabaria levando o tucano à vitória no primeiro turno. A dois meses da eleição, tornava-se praticamente impossível reverter o cenário. A campanha vivia seu pior momento, ao contrário do que acontece agora.
Hoje, relendo a entrevista republicada com o título "O que Lula disse à Folha em 1994", constato que o ex-presidente e o país mudaram muito pouco. Continuam enfrentando o mesmo secular desafio: o combate à fome, que já assola 33 milhões de brasileiros.
Garantir três refeições por dia a todos os brasileiros já era a prioridade do programa de governo de Lula, objetivo alcançado em seus dois mandatos (2003-2010), quando o país saiu do Mapa da Fome, ao qual voltou no governo de Jair Bolsonaro.
Candidato a presidente novamente, pela sexta vez em campanha, a menos de dois meses das eleições, se fosse dar outra entrevista à Folha, imagino que Lula repetiria muitas das respostas que deu a Otavio, Matinas e Rossi, sobre a relação com o Congresso, agricultura e fome, Plano Real, eleitorado menos conservador, privatizações, FHC, Getúlio e JK e militares.
"Sou um homem muito satisfeito com a evolução que houve na nossa relação com o empresariado. Acabamos com o medo, com aquele terrorismo que se vendeu contra nós em 1989. Hoje, pode haver algum setor que ainda tenta jogar esse terrorismo, mas já não cola mais, não tem mais o impacto de 1989".
De fato, esse terrorismo sobrevive em alguns nichos. Ainda esta semana, um grupo de poderosos empresários foi pego em flagrante ao trocar ideias no WhatsApp sobre a necessidade de dar um golpe se Lula vencer as eleições. Em compensação, boa parte do PIB assinou o manifesto da Fiesp em defesa da Democracia e do Estado de Direito.
Sobre os militares, Lula não mudou uma virgula no que pensava quase 30 anos atrás:
"Qual foi o grande erro deles, além da ausência de democracia? É que permitiram, como ninguém, a concentração de renda neste país, ou seja, a falta de liberdade fez com que uns poucos se apoderassem de quase tudo (...) Não acho que seja necessário utilizar as Forças armadas fora dos parâmetros em que elas têm que agir, que estão previstos na Constituição. As Forças Armadas existem para cuidar da nossa defesa contra inimigos externos, não para resolver nossos problemas políticos".
Verdade que, em 1994, nem se falava de militares durante a campanha, ao contrário do que vemos agora, com as Forças Armadas se metendo no processo eleitoral a serviço do presidente que disputa a reeleição com escassas chances de vitória. Neste ponto, regredimos, a ponto de militares defenderem uma apuração paralela dos votos.
Ao lado do combate à fome, outra prioridade de Lula naquela eleição era, e continua sendo, a reforma na política tributária.
"É ela que vai dar os instrumentos para fazer os investimentos necessários na educação e na saúde, que são prioritários para nós. Se resolvermos isso, estaremos dando um passo extraordinário."
Na introdução da entrevista, escreve Naief Haddad, repórter especial da Folha:
"Ao longo desses quase 30 anos, algo, porém, se manteve. Lula era e continua sendo o principal líder de esquerda do país. Por isso, as respostas do candidato de 48 anos podem ajudar a entender o mais uma vez candidato, agora com 76".
O que mudou? Noto na foto de Jorge Araújo que ainda havia cinzeiros sobre a mesa e os entrevistadores estavam de gravata. Naquele domingo de agosto de 1994, a Folha bateria seu recorde de circulação: 1.117.802 exemplares.
Bons velhos tempos esses, quando não havia essa polarização extremada do bolsonarismo dos dias atuais, transformando a eleição numa guerra, em que os mesários têm até medo de ir trabalhar no dia 2 de outubro, como informa o jornal deste domingo.
Vida que segue.