Canisso: capotagem de Fusca virou música símbolo do baixista do ...
A paixão por carros de Canisso, baixista dos Raimundos que morreu hoje, aos 57 anos, transcendeu para a música, a ponto de um Fusca ser protagonista da música que imortalizou as palhetadas do brasiliense. "Eu Quero é Ver o Oco", que saiu no disco "Lavô Tá Novo" (1995) mistura duas histórias, incluindo a do acidente com o Fusca e um segundo causo, com o "Opalão" do pai de Rodolfo.
Canisso chegou a ter aulas de mecânica e entende do assunto. Mas foi ao capotar o Fusca em Brasília que surgiu sua melhor história - justamente na música que começa com uma introdução de baixo. Digão, guitarrista e vocalista da banda, brinca que a história de "Eu Quero Ver o Oco" é uma das "desventuras automobilísticas" do colega.
Digão conta que eles moravam em Brasília quando decidiram ir ao cinema com amigos, em dois carros. "O Canisso, com o Fusquinha azul calcinha dele, meteu a terceira marcha, fez a curva e o carro rabeou de um lado, rabeou para o outro e desceu o barranco de grama. Foi descendo. Quando chegou lá embaixo, que o barranco faz uma curva, travou. Aí o carro capotou e saiu arrastando de cabeça para baixo", contou Digão, ao "À Deriva Podcast".
Capotou e foi ao cinema. Essa é a história real. O Canisso colocou a chave, o carro pegou, daí foram para o cinema. Já viu aquele filme 'Matou a Família e Foi ao Cinema'? É tipo isso, capotou o carro e foi ao cinema. Digão
Digão lembra da chegada do amigo após o acidente, ainda cheio de graxa e machucado, mas bem o suficiente para manter o compromisso de ir ao cinema — e aguentar as gargalhadas dos amigos ao contar a história.
Eles não machucaram sério. Nosso outro amigo bateu a cabeça, mas o Rodolfo e o Canisso não. Tiveram que quebrar o vidro traseiro, porque as portas não abriam, e saíram. Foram desvirar o carro. O Canisso fez a maior força. Conseguiram desvirar, só que quando o carro desvirou, ele subiu e bateu no queixo do Canisso. Digão, ao 'À Deriva Podcast'.
A letra e o OpalãoNa hora de compor "Eu Quero Ver o Oco", o instrumental estava pronto e Canisso veio com a ideia de gritar a frase do título. Mas ainda faltava a letra. Foi Rodolfo Arantes, ex-vocalista do Raimundos, que decidiu contar a história, com liberdade poética:
Carrão da porra, tu pisava ele voavaTu freava, ele ancoravaE eu lá dentro a me debaterNo bate-bate com a cabeça no volanteVoei pelo, vidro da frenteA raiva preta eu não pude conter
A letra veio misturada com o dia em que Rodolfo prendeu o dedo no Opala do pai, em um trecho mais tarde:
Meu ódio por automotores começou cedoDepois que eu tranquei os dedo na porta dum OpalãoMeu pai de dentro se ria, que se mijavaAchou que o filho festejavaEra dia de Cosme e Damião
"A especialidade do Rodolfo era essa: contar histórias de um jeito engraçado. Ele também falou (na letra) do pai dele, que tinha um Opala. Uma vez, ele prendeu o dedo na porta e o Véio Mané ficou rindo dele, achou engraçado. Ele pega esses flashes da vida dele e vai incorporando. O Raimundos conta muitas histórias em uma música só", disse Digão, ao podcast.
Amor por carrosO amor de Canisso por Fuscas resistiu ao acidente e ele teve outros carros durante sua vida. Mais que isso, Canisso teve aulas de mecânica na juventude. "Minha primeira cobaia para mexer em carros foi meu primeiro Fusca. Quando ele tava quase ficando legal, capotei e lasquei todo", contou Canisso, sobre o carro que virou música.
O segundo Fusca ficou por décadas com ele e era da série Love, lançado em 1984, de cor metálica. Em 1995, em entrevista à Folha, os colegas de banda entregaram que o carro o deu um segundo apelido, "surfista prateado", que pelo jeito não pegou.
Já morando fora de Brasília, certa vez ele brincou — de um jeito politicamente incorreto, que é a cara de um integrante dos Raimundos: "Como o carro é de Brasília, as multas nunca chegam", riu Canisso.
O baixista deixa esposa e quatro filhos.