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Considerado uma das obras-primas da década, suspense pós-apocalíptico silencioso e perturbador chega à Netflix

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O terror inteligente dá o público a ilusão de estar na trama, e mais: faz com que o espectador se veja como alguém importante para a história.
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É bom encontrar um filme de terror que recusa a proposta do susto pelo susto e consegue incluir o espectador naquilo que vai à tela. Era esse o objetivo de John Krasinski em “Um Lugar Silencioso” (2018), uma exaltação à inteligência do espectador ao nunca se curvar às suas preferências, mostrando dessa forma que o público muitas vezes se contenta com pouco. Krasinski não tem a menor intenção de estar por trás de uma história como as outras.

Seu roteiro, escrito em parceria com Bryan Woods e Scott Beck, se baseia numa família, em que o próprio diretor dá vida a Lee Abbott, o pai, uma figura marginal na trama. Junto com a mulher, Evelyn, interpretada por Emily Blunt, e os três filhos, Marcus, personagem de Noah Jupe, Regan, vivida por Millicent Simmonds, e o mais novo, de Cade Woodward, os cinco tentam sobreviver no que restou do mundo depois da invasão de criaturas extremamente violentas que deram cabo de boa parte da população da Terra, tendo de também adotar um hábito essencial para tanto: fazer o máximo de silêncio de que forem capazes, uma vez que esses predadores vorazes são dotados de uma audição muito superior à humana, o que lhes permite chegar ao local exato em que se escondem suas presas ao menor ruído que façam. Regan é a única que passa pela experiência sem maiores dificuldades, por ser surda — e sempre que a personagem surge em cena, o enredo adquire as cores de realidade fantástica de que uma produção dessa natureza tanto necessita, graças ao desempenho irretocável de Simmonds, surda na vida real.

Logo na abertura do longa, uma tela negra informa que se está no dia 89, isto é, no 89° dia após o surgimento dos agressores. Desenrola-se uma sequência que exibe o abandono, onipresente, maciço, ressaltado por um vento que corta o silêncio do ambiente. Por entre os escombros do mercado Larkin, os Abbott se deslocam na ponta dos pés à cata de alimento e dos remédios que Marcus toma para combater uma gripe. Todo esse cuidado, que inclui até a comunicação por sinais, à qual já estão habituados, devido à deficiência de Regan, acabam não adiantando, porque um descuido mínimo põe tudo a perder.

A insistência na ideia de que o silêncio vale mesmo ouro, ou melhor, conservar-se o mais calado que puder é a diferença entre a vida e a morte, parece ser uma fixação para Krasinski. Os sobreviventes andam pela cidade inteira sem sapatos, e se começa a questionar se Lee já não estaria vivendo um estado de paranoia irremediável, preocupado demais com inimigos aparentemente pacificados ou que, pelo menos por enquanto, se deixam envolver por algum outro interesse. Contudo, o patriarca de “Um Lugar Silencioso” segue vagando, a família atrás, todos descalços, como Abraão, à procura da terra prometida. E assim se passa um ano.

Essa mudança no tempo narrativo não se converte em alento para os nômades, e ainda traz novos desafios. Novamente grávida e às vésperas de dar à luz, Evelyn padece de todas as incertezas quanto ao futuro, tão características de uma mulher no seu estado, agravadas pelas circunstâncias em que será obrigada a criar seu filho. Há alguma chance de que a vida seja outra vez o que fora? Quanto tempo mais terão de esperar? Vale a pena? Ao passo que suas inquietações não encontram respostas, Lee não esmorece e segue pesquisando, em artigos de jornal e trabalhos científicos, alguma evidência que lhe assegure que um dia se livrarão dos novos donos da Terra.

O argumento de seres que sequestram domínios sobre os quais o homem exercia a posse inquestionável ronda o cinema volta e meia. Febre a partir do fim dos anos 1970, produções com essa temática vieram para ficar e à medida que a tecnologia se aprimorava, os roteiros tornavam-se mais e mais inteligentes. No que toca às particularidades dos monstros de “Um Lugar Silencioso”, a aversão a sons, esse detalhe já foi igualmente bem explorado em marcos do cinema do século 21, sendo “Duna” (1984), dirigido por David Lynch, o mais fascinantemente perturbador. O filme de Krasinski, assim como “Duna”, reeditado em 2021 sob a perspectiva muito mais criteriosa de Denis Villeneuve, é original como poucos. Olhares mais treinados enxergam em seu trabalho as óbvias referências ao descaso do homem para com o mundo, a imensa casa que deixa ruir à falta de manutenção e, principalmente, pelo mau uso de suas comodidades; ao respeito ao outro, em especial ao que não têm todos os sentidos à flor da pele; à união da família como condição inescapável quanto a se manter vivo em situações de adversidade. Sem discursos de moralismo sub-reptício, refinamento estilístico e intelectual de um diretor que usou o tempo — e a carreira — a seu favor.

Filmes de terror são excelentes meios para o homem elaborar conjecturas hostis sobre um mundo que pode vir a não reconhecer, antevendo soluções e as atitudes a serem tomadas a fim de se alcançar a solução redentora. É exatamente o que John Krasinski sugere a seu espectador em “Um Lugar Silencioso”, uma história aterradora em que monstros são apenas um detalhe.

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