Afinal, haverá um sucessor de Olavo de Carvalho para os bolsonaristas?
A morte do polemista e escritor Olavo de Carvalho, aos 74 anos, nesta terça-feira (25), foi um baque dentro do bolsonarismo: pouco afeito à homenagem de mortos, Bolsonaro prestou condolências uma hora depois do anúncio oficial, ainda de madrugada, e decretou apenas o segundo luto em três anos no governo federal. Com a morte do maior ideólogo do atual governo, quem passa a ocupar este cargo de guru da extrema-direita do Brasil?
Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco tem visões divergentes sobre para onde o pensamento de viés conservador e de direita pode seguir. Ambos, no entanto, concordam que o entusiasmo pelo seu nome permanece vivo pela internet – e que deve representar uma força que não poderá ser ignorada pela política.
A herança permaneceO professor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidade LaSalle, Fabrício Pontin, diz que, apesar de certas comemorações à esquerda do espectro político, Olavo morreu vitorioso: não pagou os processos que devia (inclusive um famoso contra Caetano Veloso), gerenciando um império capaz de atrair mais jovens que qualquer grupo de esquerda, com um atuação de base plenamente estabelecida em redes sociais.
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Ele também lembra que o escritor deixa de herança o maior ecossistema editorial do Brasil. “Conteúdo de vídeos, textos, livros, livros didáticos, manuais e até finanças, coach, dicas de vida, masculinidade…isto tudo é um legado enorme e um ecossistema enorme, com influencers específicos, editoras específicas e pessoas com interesses políticos”, enumera Fabrício. “Alguns deles que estão na ativa ou querem entrar na ativa, que estiveram ou estão em ministérios e que continuarão no cenário político por algum tempo.”
Apesar da persistência do arcabouço de Olavo de Carvalho, um novo guru do bolsonarismo não deve aparecer tão cedo. O que, para o professor, não faz tanta diferença. “A mensagem está dada, que é: não basta o Bolsonaro, é preciso uma revolução cultural”, lembra o professor, citando o argumento de que, para Olavo (e também líderes socialistas como Vladimir Lênin e Mao Tsé-Tung) uma revolução começa antes pelos aspectos culturais de uma sociedade, e depois segue para a política.
Fabrício lembra que, nos últimos anos, Olavo indicou certo descolamento das ações do governo de Jair Bolsonaro – do qual ele foi um apoiador de primeira hora. Isso seria indicativo de que, para o grupo mais próximo de adoradores do escritor, o governo de Bolsonaro é útil, mas apenas uma alavanca de um caminho rumo ao real conservadorismo no Brasil.
Por isso, nomes tão alinhados com Olavo de Carvalho dentro do governo de Jair Bolsonaro agora aparecem como eventuais críticos do presidente – caso dos ex-ministros Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Essa disputa será vista nas disputas eleitorais deste ano, aposta Fabrício. “Essa disputa pelo olavismo terá muita influência na disputa pelo Congresso. Para olavistas, alguns dos eleitos em 2018 como bolsonaristas hoje são nomes moderados, como excessivamente moderada, que o Frota virou tucano. Agora, isso não servirá mais, e se cobrará um novo tipo de adesão”, projeta.
O que esperar de um “herdeiro”?Outro estudioso do impacto deixado por Olavo de Carvalho sobre a política é o historiador Daniel Pradera, que considera mais provável o surgimento não um herdeiro individual de sua influência, mas diversos influenciadores dando continuidade ao seu pensamento, cada um à sua maneira. “A tendência é uma espécie de fragmentação, em que se criem diversos nichos do olavismo”, declarou.
Pradera explica que, com a morte de Olavo de Carvalho, não vai demorar para que parte de seus apoiadores passem a deixar de se chamar seguidores e passem a tentar dar continuidade à sua doutrina. “Mesmo em esferas pequenas, algumas pessoas vão se criar sucessores. Com isso, demais seguidores vão gravitar ao redor daquele nicho olavista à qual se identificam”, antecipa.
Esses novos doutrinadores, porém, deverão cumprir alguns aspectos para conseguir se retratar como “herdeiros” do pensamento olavista. O primeiro: serão, em sua maioria, pessoas nascidas na mídia, e não exatamente da política. “O Olavo nunca se envolveu diretamente com política. Ele sempre teve contatos, sempre se manteve nos bastidores. Ele era um influenciador, e seus sucessores certamente seguirão por esse mesmo caminho”, apontou Pradera.
O segundo requisito para futuros sucessores é a continuidade de sua retórica. “O uso do vocabulário chulo e prolixo era uma das principais marcas olavistas, e geralmente com ataques e ofensas pessoais. Seus herdeiros com certeza vão seguir seu exemplo e fazer uso constante de falácias ad hominem, quando você ataca a pessoa em um debate para fugir da discussão sobre argumentos”.
Ideologicamente, Daniel Pradera considera que os sucessores vão se intitular como católicos. “Geralmente conseguimos identificar católicos fundamentalistas entre seus seguidores. O próprio Olavo era um grande defensor dessas ideias, e ensinava aos seus discípulos uma vasta gama de autores que são da apologia católica”, destacou.
Pradera também explica que, para que os sucessores consigam atingir seus respectivos nichos, também deverão dar continuidade aos meios adotados por Olavo de Carvalho para se tornar conhecido. “Os sucessores certamente serão provocadores. Vão tentar instigar o máximo possível de confusão para ganhar atenção na mídia”.
Morte lentaPontin e Pradera concordam que, mesmo com a morte de Olavo de Carvalho, vai demorar para que sua doutrina comece a perder força. “O olavismo não é algo recente. É uma construção que já existe há trinta anos, e penetrou em nichos até o momento intocados. Estamos falando de um fenômeno de muito longo prazo, e que eventualmente culminou com o nascimento do bolsonarismo”, alerta o historiador.
A longa construção de sua influência não será facilmente eliminada, conforme afirma Pradera. “O estrago já está feito. Olavo foi embora, mas os olavistas não. Além disso, o sonho de todo seguidor de Olavo é ser seu sucessor, então não vão faltar pessoas interessadas em seguir o seu legado”. O estudioso destaca os seguidores que lideram o Brasil Paralelo, organização que produz filmes e documentários sobre a visão de Olavo, como provável vanguarda desse movimento.
Esse legado, porém, não será eterno. “O olavismo não vai ceder tão cedo. Mas em um ambiente fragmentado, essas novas figuras terão cada vez menos expressão em relação ao próprio Olavo de Carvalho. Será uma corrente ainda forte nesse primeiro momento, mas fadada ao obscurantismo eventualmente”.
“Faz parte da cultura online o deboche, e tirar onda que ele morreu e tal”, disse Fabrício Pontin. “Mas há muito pouco para comemorar com a morte do Olavo, que é um momento e reflexão, de pensar onde chegamos no ponto onde esse movimento político, com muito dinheiro e gente graúda apoiando e ganhando dinheiro, se estabeleceu. Precisamos de respostas para isso.”
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