Morre Bruno Latour, um dos principais pensadores da ecologia
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O filósofo e sociólogo francês Bruno Latour, um dos principais nomes contemporâneos da filosofia e do pensamento ambiental, morreu na madrugada deste domingo (9) em Paris, aos 75 anos, segundo informações de sua editora Éditions La Découverte.
"Éditions La Découverte recebeu com pesar a notícia do falecimento de Bruno Latour esta noite em Paris. Todos os nossos pensamentos estão com sua família", escreveu a editora em comunicado enviado à agência de notícias AFP.
As influentes obras do pensador, como "Jamais fomos modernos" e "Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno", foram traduzidas para o português e causaram impacto na academia brasileira. Elas dialogam com a obra de pensadores brasileiros importantes como o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, um dos criadores do "perspectivismo ameríndio."
Latour e o BrasilEm entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, refletindo sobre a crise política e ambiental que o Brasil vivia, Latour afirmou que seria "muito importante para o resto do mundo" que o Brasil encontrasse "respostas para essa crise".
Segundo ele, o Brasil seria, hoje, "como a Espanha era em 1936, durante a Guerra Civil: é onde tudo que vai ser importante nas próximas décadas está visível." Na Guerra Civil espanhola, marcada pelo envolvimento de voluntários do mundo inteiro, uma aliança de centro-esquerda (composta de republicanos, socialistas, anarquistas e comunistas) enfrentou as forças fascistas e reacionárias do General Franco com apoio dos ditadores Hitler e Mussolini. O conflito antecipou a tragédia da Segunda Guerra Mundial
Latour era amigo dos pensadores brasileiros Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski, que se referem ao pensamento do francês no livro "Há mundo por vir? Ensaios sobre os medos e os fins". Ambos lamentaram a morte do pensador em suas redes sociais.
Latour foi ainda foi um dos idealizadores da teoria, nova na sociologia, do "ator-rede" que leva em conta, para além dos humanos, objetos (ou "não-humanos") e discursos, sendo estes também considerados "atores". A teoria era influenciada pelo pensamento do filósofo e sociólogo francês Gabriel Tarde. Em entrevista à revista Cult, Latour credita parte da redescoberta do trabalho de Tarde ao "brasileiro, Eduardo Vargas, que há muito tempo tem publicado sobre o assunto."
Na mesma entrevista para a revista Cult, Bruno Latour, definido pelo jornal New York Times como "mais famoso e incompreendido dos filósofos franceses", comentou o fato de seu pensamento ter demorado a ser aceito em sua terra natal onde só ganhou espaço graças ao impacto que seus livros tiveram entre os estudos antropológicos ao redor do mundo.
O presidente francês Emmanuel Macron ecoou essa ideia e elogiou Latour no Twitter "um espírito humanista e plural, reconhecido em todo o mundo antes de ser reconhecido na França".
Penseur de l'écologie, de la modernité ou de la religion, Bruno Latour était un esprit humaniste et pluriel, reconnu dans le monde entier avant de l'être en France. Sa réflexion, ses écrits, continueront de nous inspirer de nouveaux rapports au monde. Reconnaissance de la Nation.
-- Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) October 9, 2022
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Bruno Latour
Imagem: Reprodução/E-flux conversationsLatour nasceu em 22 de junho de 1947 em uma família de comerciantes de vinho em Beaune, no centro-leste da França.
Formou-se em filosofia e antropologia. Ele então, lecionou em escolas de engenharia na França, mas também no exterior, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, onde foi professor visitante em Harvard.
Foi um dos primeiros intelectuais a perceber a importância do pensamento ecológico.
No entanto, foi reconhecido acima de tudo no mundo anglo-saxão e vários de seus trabalhos foram publicados pela primeira vez em inglês. O conjunto de sua obra recebeu o Prêmio Holberg em 2013 e o Prêmio Kyoto em 2021. Foi considerado "criativo, bem-humorado e imprevisível", segundo o júri do Prêmio Holberg de Ciências Sociais.
O intelectual interessava-se, entre outros, por questões de gestão e organização de pesquisa e, em geral, pela forma como a sociedade produz valores e verdades.
Capitalismo cavou sua própria sepulturaEm 2021, ele disse à AFP que as mudanças climáticas e a crise da pandemia revelaram uma luta entre "classes geossociais".
O capitalismo cavou sua própria sepultura. Agora trata-se de repará-la. Bruno Latour
Ele resumiu seu trabalho para o público em geral em algumas de suas obras e ampliou seu público com ensaios sobre política.
Num ensaio, defendeu a hipótese segundo a qual "há cinquenta anos não entendemos nada sobre posições políticas, se não dermos um lugar central à questão do clima e sua negação".
"É como se grande parte das classes dominantes tivesse chegado à conclusão de que não haveria mais espaço na Terra para eles e para o resto de seus habitantes. Isso explicaria a explosão das desigualdades, o grau de desregulamentação, críticas à globalização e, sobretudo, o desejo desesperado de voltar às velhas proteções do Estado nacional", segundo ele.
Com informações da © Agence France-Presse