Com 'adeus' à covid-19 mais distante, bolsa cai e dólar segue rumo aos R$ 6
O mercado financeiro continuou nesta quarta-feira (13) reagindo à noção, cada vez mais cristalizada entre seus participantes, de que ainda demora algum tempo para o mundo se ver livre da pandemia de covid-19.
A tese de uma recuperação em “V” da atividade econômica, com uma retomada tão rápida quanto foi a queda forçada pelo coronavírus, segue perdendo força. E pelo terceiro dia consecutivo, foi para o vinagre mais uma parte da recuperação dos preços de ações desde abril, após o derramamento de sangue de março.
No Brasil, o Ibovespa oscilou algumas vezes entre perdas e ganhos. Nos últimos minutos da sessão, com 44 de seus 75 papéis no vermelho, mesmo papéis de peso no azul não tiveram forças para manter o índice no positivo (veja mais abaixo quais foram os "Destaques do Ibovespa").
No fechamento o Ibovespa caía 0,13%, aos 77.772 pontos.
Parece ficar cada vez mais claro que uma reabertura definitiva das economias depende de uma vacina contra a covid-19. Os principais banqueiros do Brasil vêm apontando para esta direção.
Roberto Setubal, por exemplo, copresidente do conselho de administração da empresa com a terceira maior participação do Ibovespa, o Itaú Unibanco, diz trabalhar com um cenário de dois anos de turbulências. O período incluiria não só a criação de uma vacina, mas também o mundo conseguir produzir doses numa escala superior a 7 bilhões, para serem distribuídas para toda a humanidade.
O maior dos banqueiros, o Banco Central do Brasil, referendou essa ideia na ata da reunião em que limou a Selic em 0,75 ponto, aos 3% ao ano. Ficou escrito no documento ser "plausível um cenário em que a retomada, além de mais gradual do que a considerada, seja caraterizada por idas e vindas".
O golpe de misericórdia dado no apetite por risco nesta sessão, aliás, veio do que alguns no mercado nacional chamam de “matriz”. O presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, sinalizou a quem espera por juros negativos nos Estados Unidos – caso do presidente, Donald Trump – que tire o cavalinho da chuva para o bichinho não morrer de pneumonia.
Apesar da ducha de água fria, o Fed continuará agindo, disse Powell. Foram levantadas, assim, suspeitas de que outras formas de injeção de liquidez nos mercados estejam chegando, como novos programas de recompras de títulos. Mas, de acordo com ele, a gravidade do momento talvez exija mais políticas públicas de estímulos, e não monetárias.
As palavras do presidente do Fed (ou a falta delas) ajudaram a azedar os humores. De acordo com Powell, o mundo está diante de “um nível de dor difícil de capturar em palavras".
Investidores acordaram acreditando que o otimismo de pregões recentes era exagerado. E vão dormir sem saber quais remédios o Fed pode usar para mitigar os efeitos da crise, que promete ser mais duradora do que se pensava.
Na Europa, a chanceler de Alemanha, Angela Merkel, fez um apelo nesta quarta para que alemães colaborem para que desaceleração do avanço da covid-19 se mantenha. A reabertura parcial já começou na Alemanha, com parte dos estabelecimentos e fronteiras do país sendo reaberta. Um aparente crescimento dos casos no país reforça a apreensão dos investidores nesta semana.
Esse processo de revisão das perspectivas mais positivas de semanas atrás derrubou nesta quarta em 1,94% o Stoxx 600, aos 333,94 pontos. Sua carteira teórica espelha a variação média ponderada de 600 ações mais negociadas em 18 países europeus.
Veja as cinco principais bolsas de lá como ficaram:
- Paris: -2,85% (4.344 pontos)
- Frankfurt: -2,56% (10.542 pontos)
- Milão: -2,14% (17.183 pontos)
- Madri: -1,94% (6.631 pontos)
- Londres: -1,51% (5.904 pontos)
Nas bolsas americanas, as perdas foram semelhantes, e com as tensões entre Washington e Pequim também trazendo preocupações. O presidente americano, Donal Trump, foi ao Twitter nesta quarta-feira para chamar a covid-19 de “praga da China”. E disse que nem mesmo cem acordos comerciais com os chineses valem a pena diante das vidas perdidas pela doença.
Ainda que representantes comerciais dos dois países tenham tido conversas promissoras recentemente, Trump segue elevando o tom.
Nesta semana, teria dado ordens para que os fundos de pensão dos funcionários do governo americano não mais aplicassem em ações de empresas chinesas. E circulam desde a última semana rumores de que a Casa Branca prepara sanções econômicas para punir a China pela suposta responsabilidade na pandemia.
No meio desse enrosco todo, o presidente americano ainda arrumou tempo para criticar de investidores a casas de análise. Enquanto os índices em Nova York caíam nesta tarde, ele atribuiu os preços de ações em baixa não ao estado de colapso da economia mundial, mas a um suposto complô de pessoas ricas que ganham ainda mais dinheiro quando a bolsa cai.
Confira como acabou o dia avermelhado em Wall Street:
- Dow Jones: -2,17% (23.247 pontos)
- S&P 500: -1,75% (2.820 pontos)
- Nasdaq: -1,55% (8.863 pontos)
E esse pessimismo todo demonstrado pelas bolsas do mundo se estendeu aos preços do petróleo no mercado futuro.
Depois de fecharem em alta na véspera, após cortes adicionais de oferta serem anunciados para junho pela Arábia Saudita e outros membros da Opep, falou mais alto o receio de lentidão na retomada mundial do consumo de combustíveis. Mesmo com os estoques abarrotados de petróleo nos Estados Unidos apresentando recuo, as duas principais referências fecharam em baixa.
Contratos com entrega para junho em Nova York (WTI, referência da indústria americana) escorregaram 1,90%, aos US$ 25,29 o barril. Compromissos para julho em Londres (Brent, balizador global) recuaram 2,63%, com barris a 29,19.
Com a fuga de riscos comendo solta no mundo todo, não tinha como dar outra no câmbio. O preço do dólar comercial no Brasil, desde as primeiras horas subindo acima da média mundial, continuou nesta quarta-feira seu franco rali rumo aos R$ 6.
O dólar comercial fechou o dia 0,54% mais caro, aos R$ 5,9007.
Neste ano, o Banco Central já queimou mais de R$ 24 bilhões em intervenções com objetivo de diminuir a volatilidade das cotações do dólar no país. E esta foi mais uma das sessões em que a autoridade monetária recorreu ao expediente, de manhã e de tarde, mas mesmo assim a moeda americana fechou em alta.
Não bastasse a pandemia e tudo o que ela representa, vem pesando nas mesas nacionais de câmbio a cautela em relação à cena política.
O ex-ministro Sergio Moro, como se sabe, pediu demissão acusando o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir nas investigações da Polícia Federal. A gravação de uma reunião entre Bolsonaro e seus então ministros, assistida pela Polícia Federal na terça-feira, é apontada pelo ex-juiz da Operação Lava Jato como prova.
O conteúdo do vídeo continua sob sigilo. Mas o presidente teria relacionado a troca de comanda na Polícia Federal à suposta perseguição da Justiça contra seus familiares.
O aumento do risco político local não foi apenas sinalizado pelo dólar. Os juros futuros por aqui também embicaram para cima, indicando uma exigência de maiores retornos pelos investidores para aplicarem seu dinheiro no Brasil.
No fim da sessão regular, o contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 subia aos 2,655%, dos 2,61% anteriores; o DI para janeiro de 2027 foi dos 7,79% aos 7,94%.
Nesta sessão, em que foram movimentados R$ 19,8 bilhões e as baixas prevaleceram entre as ações do Ibovespa, os papéis da BRF subiram 12,17%, para o topo de ganhos. O resultados das ações do frigorífico ainda refletem a boa recepção de investidores aos números do primeiro trimestre - referendados por Credit Suisse e Itaú BBA.
E o dólar nas alturas, além de sinalizações de que os preços da celulose devem passar por valorização no médio prazo na China, as ações da Klabin subiram 7,64%. As da Suzano, 4,20%.
Já as ações da Vale, com alta de 2,42%, foram fundamentais para diminuir o tombo do Ibovespa. A empresa tem a maior participação da atual carteira teórica do Ibovespa, e subiu na bolsa na contramão das companhias de siderurgia.
Embora, pela manhã, o Credit Suisse tenha cortado o preço-alvo dos recibos de ações da mineradora em Nova York, de U$$ 15 para US$ R$ 14 até o fim do ano (terminaram o dia nos US$ 8,18), reiterou a recomendação de compra.
Nas baixas, todo o setor bancário, cerca de 20% do Ibovespa ficou no vermelho. Até o Itaú Unibanco, no azul quase o pregão inteiro, demonstrando a preferência por seus papéis em relação concorrência, acabou cedendo 0,05%. A maior baixa foi das ações do Banco do Brasil, de 2,89%.
As ações da Petrobras, acompanhando a trajetória do petróleo, foi determinante para o dia de perdas do principal índice da B3. Seus papéis mais negociados, os preferenciais (PN, que dão preferência por dividendos) recuaram 3,92%.
Confira abaixo o sobe e desce geral de todas as ações do Ibovespa nesta quarta.
As 75 do Ibovespa (13/5/20)