As finanças do Náutico em 2021: nebuloso, endividado e pouco competitivo, o clube alvirrubro parou no tempo
Crise e Náutico são duas palavras que andam juntas há tempo demais no noticiário. Por vezes, ela chega acompanhada apenas do resultado ruim num clássico ou por causa de prolongada má fase em campo. Não são raros os casos em que a crise envolve também o dinheiro.
Qual é o tamanho da crise financeira? Neste texto, parte da série anual sobre as finanças do futebol brasileiro, o gepassa pelos números das demonstrações contábeis mais recentes, referentes a 2021, para dimensionar o problema ao torcedor. Ou pelo menos tentar.
No caso alvirrubro, esse detalhamento é prejudicado pela falta de transparência. O documento publicado pelo clube se restringiu a duas páginas – uma com o balanço patrimonial, que detalha ativos e passivos, e outra com a demonstração de resultados, com receitas e despesas.
Não foram publicados o parecer da auditoria externa, nem as notas explicativas, necessárias para que se entendam os números. A obscuridade prejudica o torcedor, impedido de compreender a situação do clube para o qual torce, e arranha a imagem da instituição.
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As finanças do Náutico — Foto: Infoesporte
A comparação mais básica trata de faturamento (tudo o que foi arrecadado em cada ano) e endividamento (o que havia a pagar no último dia de cada exercício). Geralmente, espera-se que esses dois números estejam razoavelmente equilibrados. Um para um, dois para um.
No caso do Náutico, a dívida representa mais de oito vezes a arrecadação anual. Não é possível ter segurança de que o endividamento se limita a isso, por causa da pobreza das demonstrações contábeis. Uma auditoria externa bem executada poderia apontar um problema ainda maior.
Fosse empresa comum, o clube já teria fechado as portas há muito tempo, com um processo de falência exigido por seus credores. Sendo associação civil sem fins lucrativos, na qual a insolvência não funciona para quem tem dinheiro a receber, a situação vai sendo empurrada.
O Náutico tem um faturamento próximo a R$ 20 milhões anuais. Esse número oscila abaixo disso há muito tempo – precisamente, desde 2013, último ano em que disputou o Campeonato Brasileiro. Não importam as fases, melhores ou piores, o clube está estável nesse patamar.
E esse é o máximo que se pode dizer sobre a arrecadação. Por mais que este seja o dado mais básico para qualquer clube de futebol, o balanço publicado pela diretoria alvirrubra não detalha a receita.
O máximo que se pode deduzir, com base em informações públicas, é que direitos de transmissão da Série B devem contribuir com cerca de R$ 8 milhões. Se o Náutico for rebaixado para a Série C, essa entrada praticamente zera. A equipe está atualmente na zona de rebaixamento.
Em todos os textos sobre as finanças, o ge faz a comparação entre orçamento e demonstrações contábeis. A ideia é colocar em paralelo as projeções feitas pelos dirigentes e os resultados obtidos por eles depois de um ano. Neste caso, não será possível. O clube não publica orçamento.
A leitura das finanças melhora um pouco em relação ao endividamento por causa da estrutura do balanço: mesmo sem nenhum detalhe, a contabilidade divide as obrigações de acordo com o prazo para vencimento na única página que o Náutico publicou.
É possível notar que, dos R$ 165 milhões devidos no total, a maior parte está classificada no longo prazo. São pagamentos que precisarão ser feitos pela entidade em período superior a um ano.
Esses valores correspondem a provisões para riscos trabalhistas, cíveis e tributários. Em português claro: são ações judiciais movidas por credores de todos os tipos, desde pessoas físicas e jurídicas até o governo.
Dívidas de curto prazo são aquelas que precisarão ser pagas em menos de um ano. Significa que o Náutico precisará desembolsar R$ 15 milhões. Neste caso, há empréstimos bancários, contas de fornecedores e obrigações correntes (que dizem respeito ao presente), como salários e encargos trabalhistas de dezembro de 2021, que seriam pagos em 2022.
O que a auditoria externa diz sobre essas dívidas? Quais são as instituições financeiras que emprestaram dinheiro ao clube? Com quais prazos e taxas de juros? Qual é a situação de parcelamentos fiscais? Quais são os detalhes das ações judiciais movidas contra o clube? São muitas as perguntas que ficam sem respostas devido à falta de transparência.
Por mais que a nebulosidade de sua administração atrapalhe a visão da torcida e do mercado, não há dúvida: o Náutico está em crise. Nenhum clube consegue dever tanto e arrecadar tão pouco, sem que se sinta no dia a dia os efeitos práticos da desordem financeira.
Os motivos para preocupação vão muito além da atual temporada. Pode-se escapar da zona de rebaixamento para a Série C desta vez. Não muda o cenário no qual o clube pernambucano está inserido, cada vez mais complicado, por causa da concorrência que o ameaça.
Três anos atrás, o Bragantino era um clube de porte financeiro similar ao do Náutico – em termos de receitas, claro, pois suas dívidas não eram tão altas. Eram concorrentes na Série B. Hoje, com o clube-empresa e o investimento externo ao futebol, o Red Bull subiu e empurrou para baixo adversários com dinheiro, como Bahia, Cruzeiro, Grêmio e Vasco.
Rivais estão se mexendo. Alguns entram em processos de recuperação judicial ou Regime Centralizado de Execuções, para reorganizar dívidas e obter descontos. Outros estão atrás de investidores, para acelerar o crescimento das empresas que gerem o futebol.
Todos esses movimentos precisam ser percebidos. O Náutico não luta apenas pela própria sobrevivência, afundado em problemas financeiros e administrativos. Há também uma concorrência que tende a aumentar, à medida que o mercado se arruma via clube-empresa e/ou liga.
O que está sendo feito por um futuro prospero? Estudos de viabilidade para a criação de uma SAF são um começo, mas não bastam. Há possibilidade de renegociar dívidas judicialmente? A diretoria tem modernizado seus controles internos? Quando um mínimo de transparência e confiabilidade será garantido ao seu balanço?
O Náutico pode ter parado no tempo e sobrevivido todo esse tempo na Série B, crise atrás de crise, apesar das promessas e esforços de várias administrações. Mas o tempo não parou e pode ser perverso.