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Natal no Japão: fast-food, bolos de chantili e jantares românticos

Natal no Japão fastfood bolos de chantili e jantares românticos
Celebração no país é totalmente ocidentalizada. O prato mais popular está à venda no Kentucky Fried Chicken, a sobremesa mais procurada é francesa, e a noite de 24 vive-se em modo de São Valentim
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Há quem ache estranho que um dos principais pratos do Natal português seja bacalhau – tendo Portugal tanto mar, quanto peixe -, e também há quem se questione do por quê escolher para a janta um prato que não existe nas águas territoriais, mas que tem de ser importado, seco e salgado, dos países nórdicos.

A história diz haver boas razões para isso: era barato e acessível em todo o território, cumpria as imposições religiosas de jejum de carne até à meia-noite de dia 24, e não dependia de condições climatéricas que permitissem aos pescadores apanhar peixe fresco.

Há sempre uma razão para as tradições, por muito estranhas que pareçam. Às vezes, a razão é apenas um acaso, ou um golpe de sorte. É o que acontece com as principais tradições do Natal no Japão.

Mais estranho do que o bacalhau ser um dos principais pratos de Natal em Portugal, é o conceito “tradicional” do Natal japonês. Tradicional está entre aspas, pela razão simples de que a tradição de celebrar esta festa cristã é bastante recente no país.

Só após a II Guerra Mundial, com a abertura forçada do país aos hábitos dos norte-americanos, que haviam derrotado o Japão nesse conflito, o Natal foi entrando aos poucos no calendário de festas japonês.

As primeiras décadas após o conflito militar não foram de desafogo, mas conforme o país se reergueu e ganhou a fama e o proveito de grande potência econômica, a abundância permitiu importar celebrações ocidentais, mas também hábitos de consumo.

Nos anos 60 as lojas norte-americanas foram-se multiplicando nas grandes cidades, cheios de produtos ocidentais, e o Natal era uma boa oportunidade para catapultar as vendas, permitindo aos japoneses adotar a tradição das trocas de prendas, da iluminações e da mesa farta.

Foi neste contexto que o banal frango frito da cadeia de uma cadeia de fast-food americano se transformou em prato quase-oficial do Natal das famílias japonesas.

O Natal, para os japoneses, não é uma festa religiosa – o cristianismo é residual nas práticas religiosas do país, dominado pelo budismo e xintoísmo (muitas vezes praticados em acumulação). A população cristã do Japão estará entre 1 e dois milhões, ou seja, à volta de 1% dos 126 milhões de japoneses. De tal maneira que o dia de Natal não é sequer oficialmente feriado no Japão.

Mas a influência cultural do Ocidente – sobretudo dos EUA – tem levado os japoneses a adotar práticas relacionadas com o cristianismo, embora esvaziadas da dimensão espiritual. É o caso da celebração do Natal, mas também dos casamentos segundo o figurino cristão, com a noiva de vestido branco.

O Natal japonês é essencialmente um evento comercial e festivo, mas os japoneses não deixam por mãos alheias a fama de competência e perfeição: as iluminações de Natal em Tóquio não ficam atrás de qualquer grande capital ocidental, há mercados de Natal à boa maneira alemã ou austríaca, e os volumes de vendas do comércio atingem todos os anos valores astronómicos.

Rei do Natal veio de Kentucky

No dia 24 de dezembro, as lojas da cadeia de fast-food Kentucky Fried Chicken são dos locais mais concorridos no Japão. É lá que milhões de japoneses se abastecem da iguaria que junta as famílias ao redor da mesa, com coxinhas e asas de frango frito, retiradas de dentro de um balde.

Dizer um dos locais mais concorridos não é exagero. Desde a hora de abertura das lojas há filas de gente à espera de poder aviar a sua encomenda. Nem as longas esperas, nem o frio que já faz nesta altura do ano, nem as filas que dão a volta ao quarteirão fazem desistir os verdadeiros adeptos do espírito natalino, empenhados em levar para casa os tradicionais combinados de Natal do KFC.

Não se trata de uma solução de recurso à última da hora, porque faltou o peru ou o sushi. É mesmo uma tradição bem instalada, conforme se percebe pelos anúncios televisivos avisando o povo de que não se deve distrair com a data limite para fazer a sua encomenda no KFC mais próximo.

Porque essa é uma regra essencial: quem não fizer encomenda antecipada arrisca-se a não levar para casa os baldes com os pedacinhos de frango frito – até pode ter sorte e conseguir, mas é uma lotaria… Em todas as lojas há avisos sobre a necessidade de encomendar as refeições de Natal até, no máximo, uma semana antes do dia 25. Para os mais prevenidos, as encomendas podem ser feitas a partir de meados de outubro.

As entregas dos especiais de Natal acontecem entre dia 23 e dia 25. Nestes três dias, o volume de vendas do KFC em todo o Japão é equivalente às vendas de meio mês em qualquer outra época do ano.

Essa tradição começou nos anos 70, quando as marcas de fast-food americanas estavam em grande expansão no Japão. As lojas KFC também procuravam o seu lugar no mercado, perante a concorrência da McDonalds ou do Burguer King.

A primeira KFC abriu em 1970, em Nagoya, e em pouco tempo a marca estava presente também em Tóquio e em Kobe.

Diz a lenda urbana que num dia de Natal, então uma festa com pouca tradição e sem ementa “oficial” no Japão, um cliente expatriado reclamou em um restaurante do KFC de não conseguir comprar peru. Então teria de celebrar com frango. Assim, Takeshi Okawara, gerente da loja de Nagoya, viu aí uma oportunidade de promover o seu produto, associando os baldes de frango frito à celebração do Natal.

Em 1974, é lançada a primeira campanha “Kurisumasu ni wa kentakkii!” (Kentucky for Christmas!, ou seja, “Kentucky para o Natal). Bastou um gorro e o famoso boneco do Colonel Sanders e o logotipo do KFC. Segundo algumas versões, Okawara (que viria a ser CEO do KFC no Japão) terá espalhado a ideia de que frango frito era um prato típico do Natal nos EUA; segundo outras versões da história, nem foi preciso recorrer a essa mentira, pois a campanha foi logo um sucesso. Se o Japão estava à procura de uma tradição de Natal, ali estava uma, tão americana com a Coca-Cola.

O conceito do menu de Natal do KFC foi sendo apurado – a peça central continua a ser o balde de frango frito, mas com motivos de Natal diferentes todos os anos, mais as batatas e um prato especial com desenhos de Natal e o logotipo da marca.

Passados quase 50 anos, continua a ser um sucesso. De tal maneira que várias companhias concorrentes de fast-food também oferecem menus de Natal com frango frito. E quase todas as cadeias de supermercados e lojas de conveniência também. Mas nenhuma é tão “tradicional” como comer “Kentucky for Christmas!”

Bolos de chantili para sobremesa

A ementa de natal nipónica não está completa sem um doce. E os japoneses sabem bem como fazer doces – seja os seus, com séculos de história, ou a sua versão da pastelaria internacional, sobretudo francesa, que os japoneses adaptaram ao seu gosto e aos seus hábitos de consumo.

É o caso dos bolos de Natal. Mais uma vez, é um caso sério: deixar a compra do bolo de Natal para o dia, ou para as vésperas da celebração, é uma imprudência. As lojas mais requisitadas fecham a lista de encomendas uma, duas ou três semanas antes do 25 de dezembro – são quase sempre com nomes franceses.

Para o Natal há bolos de todas as cores e feitios, receitas originais e novidades todos os anos, mas nada é mais clássico do que os bolos em branco e vermelho, com chantili e morangos.

Também este tem história, e também neste caso a história remonta ao pós-II Guerra Mundial. Os anos após a derrota na guerra foram de enormes dificuldades para os japoneses, marcados por muita escassez, sobretudo de comida. Açúcar e coisas doces eram um luxo inalcançável para muitos. Para milhares de crianças, os únicos doces que provaram ao longo de muitos anos foram oferecidos por militares americanos, das forças ocupantes.

À medida que a vida ia retomando a normalidade, as cidades se iam reerguendo e a economia voltava a crescer, também as cozinhas redescobriram ingredientes que antes estavam desaparecidos. Os doces eram sinónimo de prosperidade, e o novo hábito da celebração do Natal, a partir dos anos 60, era uma excelente desculpa para regalar os olhos e as papilas gustativas com a maneira ocidental.

Entre muita oferta disponível, acabou por se impor o bolo de chantili com morangos – a fruta é um símbolo de prosperidade e estatuto, e a combinação do branco com o vermelho é uma versão pasteleira da bandeira do Japão.

São Nicolau vs São Valentim

Mas nem todos os japoneses apreciam a ideia de passar a ceia em casa com a família e comer frango frito e bolo. Muitos, aliás, optam por outro programa, igualmente tradicional: um jantar romântico. Para muita gente no Japão a noite de Natal é uma espécie de noite de São Valentim – apesar de também se celebrar no Japão, em 14 de fevereiro, o dia dedicado a São Valentim.

Para os românticos, a noite de Natal é para convidar a cara metade para um jantar à luz de velas, e de preferência com a lareira a crepitar como som de fundo, pois por esta altura as temperaturas já convidam a isso. Logo depois, a digestão costuma ser feito em um passeio noturno para apreciar as iluminações festivas.

Não há uma explicação consensual sobre a razão por que o 24 de Dezembro ganhou o estatuto de dia dos namorados alternativo para muitos japoneses. Há quem encontre a origem desta tradição recente numa canção de Natal de enorme sucesso nos anos 80, “Koibito ga Santa Claus”, que se tornou um clássico pop de Natal, daqueles que se ouvem em todo o lado mal as temperaturas começam a descer.

Na canção, a vocalista conta que o seu amante é o Papai Noel. É uma desculpa tão boa como qualquer outra para um jantar romântico à luz de velas com o fogo a crepitar na lareira. Sobretudo se, como diz outra canção: “amor, está frio lá fora”.

Este conteúdo foi criado originalmente em espanhol.

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